terça-feira, março 01, 2022

PESSOAS QUE SABIAM E FAZIAM (O TEMPO EM QUE CELPE E COMPESA TINHAM DONOS EM VICÊNCIA) - Por professor Samuel Cazumbá

Naquele tempo não existia a Avenida Estefânia Carneiro, nem o Alto da Foice. O Nova Vicência? Oxe, nem pensar. Naquele tempo não existia a Rua do Fórum, muito menos o Mutirão ou a Rua da Vaquejada. A Chã do Mandados se resumia a apenas uma fileira de menos de 10 casas, que ainda hoje teima em existir. Naquele tempo não tinha Subestação da Celpe nem Barragem de Murupé. Mas tinha Seu Inaldo, Austriel e Seu Zé Calixto.

Diferente das empresas de marketing de hoje em dia, quando havia algum problema na energia, era só se dirigir à Rua no “Oitão” da Igreja, que lá estava Seu Inaldo da Celpe. Ele conseguia a proeza de ser gerente, secretário, motorista, eletricista e “subidor de poste”. E o melhor: resolvia a falta de luz tão comum naquele tempo.
Da mesma forma era a Compesa, cujo escritório ficava na Rua da Feira, onde hoje funciona um mercadinho. Havia um gerente lá, Seu Márcio, mas quem mandava mesmo era Seu Austriel, que morava quase dentro da caixa d´água que abastecia a cidade. Seu Austriel e a família moravam na antiga estação de tratamento, cuja casa ainda se mantém no lugar (deveria ser tombada, antes que tombe ou tombem). Falta d’água? Cano estourado? Entupimento? Ligação ou religação? Lá estava Seu Zé Calixto e equipe fazendo buracos nas ruas de terra de Vicência e animando a garotada com o esguicho do líquido precioso.
Naquele tempo, você não precisava passar horas ligando para uma Rede Autorizada ou ir para outra cidade para consertar seu Radiogravador ou sua TV Telefunken Preto&Branco. Era só ir em Seu Pedro Negro (Que não era tão negro assim). Mesmo sem ter estudado eletrônica em Havard, ele botava o aparelho para funcionar! Do outro lado aqui da minha rua, tinha Dona Irene da Vassoura e Seu Biu Sapateiro. Pessoas simples, humildes, provavelmente não sabiam ler, nem escrever, mas fabricavam os utensílios domésticos e consertavam os ‘Cavalos de Aço” da época, respectivamente.
Pode-se dizer que a Rua da Lama (Só os cinquentões sabem onde é) era uma rua de artistas: Seu Ernesto costurava “suador” para os burros do Major Lula e mais adiante Seu Zé Biló fabricava sapatos masculinos e femininos. E quem disse que não tem jeito para a morte? Naquele tempo havia os caixões de veludo roxos ou azuis de Seu Baixa Bilau, que também fabricava máscaras de carnaval. Caixão de madeira era para os ricos!
Naquele tempo faltava energia quase todo dia. Mas isso não era problema. Em frente à atual Secretaria de Educação havia uma fábrica de candeeiros. Seu Quintino, irmão de Seu Zé Calixto, fabricava e vendia as lamparinas e de quebra ainda colocava fundo em panelas de alumínio (contanto que você levasse a tampa).
Naquele tempo a gente não chamava Cerâmica. Bem aqui, na Rua da Olaria, tinha uma Olaria (Que óbvio, não?!). Seu Otaciano fabricava os famosos tijolos manuais, que voltaram à moda atualmente. Os sofás, fossem de tecido ou de couro eram reformados por Seu Simplício, no finalzinho da Rua do Cisco. Os filhos seguiram o ofício do pai e mantêm a tradição até os dias de hoje. Até as gaiolas, que privam os pássaros de liberdade, não viam de fora, quer dizer, até vinham, mas havia que as fabricasse e ainda fabrica, só que em outra cidade: Zé Dias, filho de Dona Irene da Vassoura. Mora em Tracunhaém, onde continua fabricando as prisões das avezinhas...
Naquele tempo não tinha Pálio, Onix, Renegade, Sandero, etc. Os Opalas, Fuscas, Corcéis, Chevettes, Del Reys, Rurais, Caravans, C-10 ou D-10 da vida, eram consertados por mecânicos todos sujos de óleo nas oficinas de Umbelino ou em Valdemar. Nada de computador, notebook ou tablet para saber onde estava o defeito. Bastava ouvir o ronco do motor para identificar o problema. Lá na Chã de Vicencinha, perto do campo, a Casa de Farinha de Dona Serafina. Não sei se ela distribuía para a região, mas, de vez em quando, quando íamos assistir a um jogo do Juventude, Grêmio ou XV de Novembro, passávamos lá e comíamos um beiju ou um punhado de farinha de mandioca.
Naquele tempo ninguém precisava ir para o Shopping comprar roupas de grife. Era só comprar um corte de fazenda (Cambraia, Linho, Viscose) na Casas Ribeiro e levar para as melhores costureiras da região: Dona Neta de Seu “Antonhe” Boquinha, Ester e Dona Biu Aprígio. Seu Izasso cuidava dos ternos masculinos. E para dar um grau na aparência as mulheres iam no Salão de Liquinha Cabeleireira e os homens saíam da rua para a Usina Barra, onde Seu Mané Barbeiro estava revolucionando os cortes masculinos. Mais tarde, Amaro e Flávio Flúvio começaram a se diferenciar como mestres na arte de cortar cabelo. Flávio teve a ousadia de colocar o nome do seu estabelecimento ‘Salão Shampoo”. Naquele tempo, salão de beleza para homem era coisa de boiola.
Por fim as memórias... e para registrá-las a competência e a perspicácia dos grandes retratistas da época: Seu Tiago, Seu Duda, Raia, Seu Manoel e Aristides. Cada um com sua especialidade. Seu Tiago era o repórter fotográfico da polícia, chamado para registar os homicídios na cidade e região. Seu Duda, era o fotógrafo popular. Especialista em “monóculos”ou “binóculos”, como queiram. Raia era seu fiel discípulo e depois começou a fazer carreira solo. Já Seu Aristides era especialista em fotos 3 X 4 para documentos. Além de fotógrafo também consertava ventilador (tudo a ver).
Claro que naquele tempo havia muitas outras pessoas que faziam acontecer em Vicência e sabiam fazer, mesmo sem ter alisado bancos ou bancas de escola. Pessoas simples, analfabetas, porém portadoras de dons divinos, que os/as tornaram cidadãos e cidadãs de bem, respeitadores, amáveis, que deixaram um legado. Contribuíram não só para o sustento das suas famílias, mas para a história da cidade. Por isso são retratadas aqui nesse texto e merecem todo o nosso aplauso pelas sementes plantadas no município.
Samuel Cazumbá